Repentinamente, verifica-se que Lula e seus advogados perderam o respeito pela memória de Marisa Letícia. De mulher exemplar, a ex-primeira dama foi transformada numa doidivanas que pagou em dinheiro vivo,
durante quase cinco anos, os aluguéis do apartamento malcheiroso de São
Bernardo, vizinho à cobertura da família Silva. Nessa versão, a mulher
de Lula foi acomodada pela defesa do homem com quem viveu por 43 anos,
ao lado de personagens como Aécio Neves, outro inconsequente que tem uma
predileção pelas formas mais primitivas e inseguras de transferência de
valores: os envelopes, as malas, as mochilas.
No total, Marisa teria manuseado entre 2011 e 2015 algo como R$ 189
mil. Com esse dinheiro, teria quitado os aluguéis do apartamento que a
Lava Jato sustenta que a Odebrecht comprou para Lula com dinheiro sujo
desviado da Petrobras. No caso de Aécio, a Polícia Federal filmou as
malas e mochilas utilizadas para transportar parte dos R$ 2 milhões que o
senador tucano alega ter tomado emprestado do benfeitor Joesley
Batista. Quanto a Marisa, ainda não foi explicado como ela fazia chegar
os envelopes, mês a mês, às mãos do locador.
Chama-se Glauco Costamarques o hipotético locador. Segundo a
força-tarefa de Curitiba, trata-se de um laranja que o amigo José Carlos
Bumlai providenciou para funcionar como proprietário de fachada do
imóvel que a Odebrecht deu de presente a Lula. Reside em Campo Grande.
Não há notícia de que Marisa tivesse o hábito de visitar amiúde a
capital do Mato Grosso do Sul. Aécio confiou ao primo Frederico Pacheco a
missão de buscar a grana provida pelo dono da JBS. Os advogados de Lula
ficaram devendo o nome do portador dos aluguéis que Marisa mandou
pagar.
Em depoimento a Sergio Moro, Lula disse que nunca teve tempo para
cuidar do ordenamento das despesas da família. Delegou a tarefa a
Marisa. Foi ela quem assinou o contrato de locação. Era ela a
responsável pelos pagamentos. O juiz da Lava Jato cobrou os recibos. E a
defesa anexou aos autos um papelório malcheiroso. Agora, mais essa:
dinheiro vivo! Lula costuma dizer que seus investigadores mentem. E
inventam novas mentiras para justificar as anteriores. O pajé do PT
enxerga mentirosos em toda parte, menos no espelho.
Viva, Marisa talvez não se importasse de emprestar seu nome para ser
usado na fábula que a defesa de Lula compõe para justificar os confortos
do ex-mito. Mas não estava previsto no contrato de locação —ou na
certidão de casamento— que a veneranda senhora, depois de recolhida à
sepultura, deveria servir de álibi post-mortem para um marido indefeso.
Alguém precisa defender Marisa Letícia do marido dela. É pena que os
filhos não se animem a convocar uma entrevista coletiva. Não seria
preciso muita coisa para salvar a imagem da mãe. Bastaria uma declaração
singela. Algo assim:
“Mamãe era honesta. E nunca foi uma mulher imbecil. Como qualquer
criança de cinco anos, ela sabia o que é um DOC. Para realizar o
pagamento de um aluguel de quase R$ 4 mil mensais, mamãe não trocaria o
‘Documento de Ordem de Crédito’, uma forma de pagamento e transferência
de dinheiro disponível em qualquer agência bancária, devidamente
regulamentada pelo Banco Central, por envelopes de dinheiro vivo. Em
tempos tão inseguros, com tanto ladrão ao redor, mamãe não se atreveria a
retirar o dinheiro do ambiente eletrônico para levá-lo até o meio da
rua.”
De resto, convém aos filhos de Marisa mandar confeccionar uma lápide
nova para colocar no túmulo dela. Sugere-se a seguinte inscrição: “Não
contem mais comigo!”.
Josias de Sousa