É raro, mas uma testemunha que mente em um
depoimento durante um processo trabalhista pode ser presa. A pena pode ser
prisão de até quatro anos.
Foi o que aconteceu na terça-feira (8), com duas pessoas que testemunhavam a favor de
uma empresa de logística na Justiça do Trabalho em Campo Largo (PR), na
região metropolitana de Curitiba.
O juiz responsável pelo caso
decretou a prisão
de ambas em flagrante
por mentirem em
seus depoimentos.
A empresa era acusada por um de seus
funcionários, um caminhoneiro, de
exigir viagens superiores a 12 horas por dia e de fazer parte do pagamento
por fora, em comissões que vinham sendo reduzidas. As testemunhas afirmaram
durante a audiência não haver comissões, mas um áudio apresentado pelo
funcionário mostrou uma conversa em que os pagamentos eram acertados com os
empregados, e o desencontro de informações levou o juiz à decisão pela prisão
em flagrante por suposto falso testemunho.
Mentir perante a Justiça é um ato grave e tem punições
que vão de multas a prisão, mas elas variam e há condições para que as
condenações se concretizem.
Só testemunhas podem ser presas
Diferentemente do que acontece na Justiça
norte-americana e que vemos nos filmes de Hollywood, em que todos juram perante
a corte dizer "a verdade e somente a verdade", no Brasil, esta é uma
exigência feita apenas das testemunhas. Nas leis brasileiras, prevalece o
entendimento de que os indivíduos têm o direito de não produzirem provas contra
si mesmos.
"Aqui, as partes não prestam o compromisso de
falar a verdade, por isso muitas vezes nem são ouvidos os depoimentos de
funcionários e da empresa", diz a advogada trabalhista Maria Lúcia
Benhame, sócia-fundadora da Benhame Sociedade de Advogados.
O falso testemunho, ou perjúrio, está previsto no
Código Penal e é considerado um crime contra a Justiça, com pena de dois a
quatro anos de reclusão, além de multa, para a testemunha que fizer uma
afirmação falsa, negar ou omitir uma informação que seja verdadeira.
As mesmas regras valem ainda para peritos,
contadores, tradutores e intérpretes que também estejam envolvidos no processo.
"Como está no Código Penal, o crime de
perjúrio é um pressuposto que vale para qualquer Justiça, e não só para a do
Trabalho", afirma Maria Lúcia.
Autor e réu estão sujeitos a
multa
Como o Código Penal menciona apenas os casos de
depoimentos falsos feitos pelas testemunhas e pelos outros profissionais
envolvidos em uma ação, tanto o réu quando o indivíduo que entra com o processo
não se enquadram na lei e, portanto, não estão sujeitos a essa pena de prisão.
Por outro lado, o Código de Processo Civil (CPC) e
agora também o novo texto das leis trabalhistas preveem a chamada
"litigância de má fé", situação em que os envolvidos atuam
propositalmente contra o bom andamento do processo e que inclui mentir ao longo
das etapas do processo.
Quando comprovada, a infração está sujeita a multa
que varia de 1% a 10% do valor total da ação, percentual a ser decidido de
acordo com a gravidade pelo juiz responsável.
Maria Lúcia diz, porém, que, apesar de não estarem
sujeitos ao crime de falso testemunho, réu e autor da ação podem se encaixar em
outros artigos do Código Penal, como o de falsidade ideológica ou documental.
"É o que acontece quando o funcionário usa um
atestado médico falso para conseguir um benefício indevido ou estabilidade no
trabalho, por exemplo", diz a advogada. Nesses casos, a prisão é também
uma das penas previstas, e pode chegar a cinco anos de reclusão.
Dificuldade em provar
Apesar de haver as punições previstas em lei para
aqueles que mentem perante a Justiça, os casos de multa e, principalmente, de
prisão são bem raros de acontecer dentro de processos trabalhistas.
O juiz do caso de Campo Largo, por exemplo, que
decretou a prisão em flagrante das duas testemunhas da empresa, afirmou em sua
decisão ter recorrido a esse tipo de sentença apenas três vezes em seus 13 anos
de carreira.
"São fatos muitas vezes difíceis de serem
provados, e isso acaba dificultando a condenação", diz o advogado Júlio
Mendes, da Mascaro Nascimento Advocacia Trabalhista. Nas prisões de Campo
Largo, foi só a gravação apresentada pelo empregado que fez a diferença.
Áudios, e-mails, telas de conversas em aplicativos
do celular, vídeos e fotos do ambiente de trabalho são alguns dos materiais que
Mendes menciona como itens que valem o trabalhador recolher e que servem como
provas no tribunal. Eles complementam outros materiais fornecidos pela própria
empresa, como contrato e cartão de ponto.