Esse texto foi escrito pelo compositor e poeta caraubense Lino Ademar da Silva Praxedes. Ele exprime seu pensamento, cruzando um paralelo nos tempo do cangaço e a atual conjuntura politica do Brasil. Achei legal e compartilhei.
Virgulino Ferreira, O Lampião - O Rei do Cangaço
Lampião nasceu das contradições e conflitos da terra, da violência do
campo imposta pelos coronéis latifundiários, políticos corruptos e do
clero aliado da aristocracia sertaneja e da burguesia litorânea.
Eternizou-se como mito da cultura popular. Virou lenda no Brasil de Sul a Norte, principalmente nas regiões Norte e Nordeste.
Influenciou a música popular nordestina. Apimentou os acordes de Luiz
Gonzaga e de centenas de sanfoneiros, violeiros, repentistas e
cordelistas.
Seu sangue corre nas veias do xaxado (dança dos gangaceiros), no xote, no baião e no forró.
Lampião e Maria Bonita: verdadeiros mitos do
sertão brasileiro. A dupla é hoje destaque em
portais e jornais de todo o mundo.
“É Lamp, é Lamp, é Lamp. É Lamp é Lampião. Seu nome é Virgulino, o
apelido é Lampião”. Este é o hino consagrado ao rei do cangaço pelo
Brasil. Um canto que eclode nas caatingas, no agreste, no Raso da
Catarina, na Serra do Apodi, nos cariris, Serra Talhada, tabuleiros,
lugares por onde passou o célebre cangaceiro.
'Aos 23 anos, após o assassinato do pai, Lampião tornou-se cangaceiro.
Levou consigo os irmãos Ezequiel, Antônio e Livino'
Virgulino Ferreira da Silva nasceu em Vila Bela, atual Serra Talhada –
alto sertão pernambucano – no ano de 1897. Ano trágico do massacre de
Canudos, onde foram assassinados milhares de camponeses. Da estirpe de
Antônio Conselheiro, o famoso beato e líder político-religioso que
inspirou Os Sertões, obra-prima de Euclides da Cunha, Lampião foi
cangaceiro, uma categoria acima de jagunço. Com ele, muitos jagunços –
vassalos dos coronéis – ascenderam à posição de cangaceiro que era
símbolo de independência e individualidade. O soldo do cangaceiro
dependia do que se conseguia em saques, sequestros, assaltos a fazendas e
cidades. Lampião era generoso e bom pagador. Franqueava aos cabras do
bando ações individuais que rendiam alguma remuneração.
O reino
de Lampião durou de 1914 a 1938. Atraiu muitos jagunços e coiteiros de
todo o Nordeste numa época crítica, sem muitas opções de trabalho.
Calcula-se que seu grupo tinha em torno de 120 membros.
Lampião
viveu todos os conflitos de seu tempo quando o sítio de seu pai, José
Ferreira, em Vila Bela, foi invadido pelo fazendeiro João Nogueira e
seus capangas. Invadiram as terras dos Ferreiras, cortaram orelhas dos
animais. Fizeram emboscadas e trapaças, em 1911. Os Ferreiras fugiram
para um sítio no interior de Alagoas e se desentenderam com o
subdelegado da região que invadiu o local e matou o pai de Lampião.
'A caçada a Lampião e seu bando terminou no dia 12 de agosto de 1938.
O cangaceiro foi morto aos 40 anos, a 3 quilômetros do Rio São Francisco,na grota da fazenda Angico'
Aos 23 anos, após o assassinato do pai, Lampião tornou-se cangaceiro.
Levou consigo os irmãos Ezequiel, Antônio e Livino. O apelido de Lampião
foi dado pelos homens do bando de Sinhô Pereira que iniciou o jovem
Virgulino no cangaço. Reza a lenda que Virgulino atirava muito bem e que
o seu fuzil parecia iluminado. Atribui-se a ele a frase: “Meu fuzil não
nega fogo”. A frase foi retrucada por outro cangaceiro que disse: Então
não é fuzil, é lampião”. O apelido pegou e virou mito no sertão de
Deus-dará. Lampião herdou o comando do bando de Sinhô Pereira aos 25
anos. A partir de 1926 algumas mulheres foram incorporadas ao bando.
Lampião conheceu Maria Bonita em 1929, então mulher de um sapateiro. Fez
a corte à bela Maria que abandonou o marido e optou pelo cangaço.
A caçada a Lampião e seu bando terminou no dia 12 de agosto de 1938. O
cangaceiro foi morto aos 40 anos, a 3 quilômetros do Rio São Francisco,
na grota da fazenda Angico. Época em que o rei do cangaço estava
distraído, preocupado com a sua Maria Bonita que vivia o drama da
tuberculose. A tropa do tenente João Bezerra recebeu o serviço do
coiteiro de Lampião Pedro de Cândido que, segundo consta, teria levado
bebida envenenada para os cangaceiros. Não houve luta. Os homens estavam
bêbados e dormentes. Onze cangaceiros foram mortos, incluindo Lampião e
Maria Bonita. Vinte e quatro cangaceiros fugiram pelo sertão.
Acabou-se, aí, o reinado de Lampião. Mas a lenda continua.
Capitão Virgulino Ferreira da Silva
Existe uma grande polêmica em torno desse personagem fantástico que foi
Lampião. Quem foi? Um bandido sanguinário, assassino e perverso? Um
homem revoltado? Um justiceiro? Herói? Como conseguiu sobreviver tanto
tempo lutando contra sete estados com poucos homens?
Na realidade
muitas histórias se contam sobre ele, sua vida e suas andanças.
Sanfoneiro, repentista, cantador, poeta, místico, muitas vezes juiz
outras enfermeiro e até dentista, Virgulino gozou do respeito e da
admiração da maioria da população pobre e oprimida do Nordeste. Odiando a
injustiça e o poder sufocante do coronelismo, imperante na região,
Lampião era a referência do povo contra os poderosos. Bandeou-se para o
cangaço, por ser essa a única opção daqueles que, vítimas da perseguição
dos poderosos coronéis, queriam lutar ou vingar-se de alguma forma.
Homem de fibra, coragem, inteligência superior, grande estrategista
militar, exímio atirador e disposto a fazer justiça com as próprias
mãos, semeou o terror contra seus inimigos em suas andanças pelos
estados de: Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Ceará, Rio Grande do Norte,
Bahia e Sergipe.
Apesar das agruras da vida de cangaceiro,
conseguia ser alegre, festeiro, protetor de sua família perseguida, um
homem de fé e esperança .
Pelas inúmeras pessoas que matou e
feriu, angariou o ódio de muitos e até de familiares, que, por sua
causa, foram mais perseguidos, muitos mortos ou com suas vidas arrasadas
pelas volantes da polícia.
Capitão Virgulino
Breve Biografia de Lampião
Em 04 de junho de 1898 nasceu Virgulino Ferreira da Silva, na fazenda
Ingazeira de propriedade de seus pais, no Vale do Pajeú, em Pernambuco,
terceiro filho de José Ferreira da Silva e D. Maria Lopes. Seus pais
casaram no dia 13 de outubro de 1894, na Matriz do Bom Jesus dos
Aflitos, em Floresta do Navio, tendo seu primeiro filho em agosto de
1895, que chamaram Antônio em homenagem ao avô paterno. O segundo filho
nasceu dia 07 de novembro de 1896, e foi chamado de Livino. Depois de
Virgulino, o casal teve mais seis filhos, quase que ano a ano que foram:
Virtuosa, João, Angélica, Maria (Mocinha), Ezequiel e Anália.
Virgulino foi batizado aos três meses de nascido, na capela do povoado
de São Francisco, sendo seus padrinhos os avós maternos: Manuel Pedro
Lopes e D. Maria Jacosa Vieira. A cerimônia foi oficiada por Padre
Quincas, que profetizou:
- "Virgulino - explicou o padre - vem de
vírgula, quer dizer, pausa, parada." E arregalando os olhos: - "Quem
sabe, o sertão inteiro e talvez o mundo vão parar de admiração por ele".
Quando menino viveu intensamente sua infância, na região que chamava
carinhosamente de meu sertão sorridente! Bricava nos cerrados, montava
animais, pescava e nadava nas águas do riacho, empinava papagaio,
soltava pião e tudo o mais que fazia parte dos folguedos de seu tempo de
menino.
A esperteza do menino o fez cair nas predileções de sua
avó e madrinha que aos cinco anos o levou para a sua casa, a 150 metros
da casa paterna.
À influência educativa dos pais, que nunca
cessou, acrescentou-se a desta senhora - a "Mulher Rendeira" - a quem o
menino admirava quando ela, com incrível rapidez das mãos, trocando e
batendo os bilros na almofada e mudando os espinhos e furos, tecia
rendas e bicos de fino lavor
A primeira comunhão de Virgulino foi aos sete anos na capela de São
Francisco, em 1905, juntamente com os irmãos Antônio (dez anos) e Livino
(nove anos). A crisma aconteceu em 1912, aos quatorze anos e foi
celebrada pelo recém empossado primeiro bispo D. Augusto Álvaro da
Silva, sendo padrinho o Padre Manuel Firmino, vigário de Mata Grande, em
Alagoas.
No lugar onde nasceu não havia escola e as crianças
aprendiam com os mestres-escola , que ensinavam mediante contrato e
hospedagem, durante períodos de três a quatro meses nas fazendas.Seu
aprendizado com foi os professores Justino Nenéu e Domingos Soriano
Lopes.
Ainda menino já trabalhava, carrregando água,
enchiqueirando bodes, dando comida e água aos animais da fazenda,
pilando milho para fazer xerém e outras atividades compatíveis com sua
idade. Mais tarde, jovem, robusto passou aos trabalhos de gente grande:
cultivava algodão, milho, feijão de corda, abóbora, melancia, cuidava da
criação de gado, e dos animais. Posteriormente tornou-se vaqueiro e
feirante .
Seu alistamento eleitoral e de seus dois irmãos
Antônio e Livino foi feito em 1915 por Metódio Godoi, apesar de não
terem ainda os 21 anos exigidos por lei. Sabe-se que votaram três vezes:
em 1915, 1916 e 1919.
A vida amorosa dos três irmãos era como a de qualquer jovem de sua
idade, e se não houvessem optado pela vida de cangaceiro, certamente
teriam cada um constituído sua família e tido um lar estável como foi o
de seus familiares. Até entrar para o cancaço, Virgulino e seus irmãos
eram pessoas comuns, pacíficos sertanejos, que viviam do trabalho
(trabalhavam muito como qualquer sertanejo) na fazenda e na feira onde
iam vender suas mercadorias. Virgulino Ferreira da Silva na certa seria
sempre um homem comum, se fatos acontecidos com ele e sua família (que
narraremos na página "Porque Virgulino entrou para o cangaço"não o
tivessem praticamente obrigado a optar pelo cangaço como saída para
realizar sua vingança. Viveu no cangaço durante anos, vindo a falecer
numa emboscada no dia, na fazenda Angicos, no estado de Alagoas.
A Mulher Rendeira
Virgulino, por ser muito esperto, atraiu a predileção de sua avó e
madrinha de batismo, D. Maria Jacosa. Quando o menino completou cinco
anos de idade, levou-o para morar em sua casa.
O menino
espantava-se com a rapidez com que sua avó trocava e batia os bilros na
almofada, mudando os espinhos nos furos, tecendo rendas e bicos de
refinado gosto.
Virgulino foi educado tanto pelos pais quanto
pela avó, a mulher rendeira. A casa da avó ficava a cento e cinquenta
metros da casa paterna e, o menino brincava no terreiro das duas
casas.Mais tarde, em homenagem a sua avó, comporia a música que serviria
de hino de guerra para suas andanças: "mulher rendeira".
"Houve grande empenho em destruir a memória de Lampião.
Primeiro, arrasaram-lhe na Ingazeira a casa paterna e natal e a dos
avós maternos, deixando unicamente restos dos torrões dos alicerces."
(Frederico Bezerra Maciel)
Porque Lampião era chamado de Capitão?
Muito curiosa a história de sua patente de oficial do exército, obtida do governo federal.
No início do ano de 1926, a Coluna Prestes percorria o Nordeste em sua
peregrinação revolucionária, trazendo apreensão aos governantes e
colocando em risco a segurança da nação segundo avaliação do governo
central.
Em meados de janeiro, estavam prontos para entrar no Ceará.
A tarefa de organizar a defesa do estado coube, em parte, a Floro
Bartolomeu, de Juazeiro. A influência de Floro, perante todo o país,
devia-se ao seu estreito relacionamento com o Padre Cícero Romão. Por
sugestão do Padre Cícero, só havia em todo Nodeste uma pessoa que
poderia combater a Coluna e sair-se bem da empreitada. Indicou então o
nome de Virgulino.
Floro reuniu uma força de combate, composta,
em sua maioria, de jagunços do Cariri. Os Batalhões Patrióticos, como
foram chamados, ganharam armas dos depósitos do exército, porque tinham
apoio material e financeiro do governo federal.
A tropa,
organizada, foi levada por Floro a Campos Sales, no Ceará, onde se
esperava a invasão. Floro mandou uma carta a Virgulino, convidando-o a
fazer parte do batalhão.
O convite foi aceito nos primeiros dias
de março, quando a Coluna Prestes já estava na Bahia. Em virtude da
doença e posterior morte de Floro, em 8 de março, coube ao Padre Cícero a
recepção a Lampião.
Lampião chegou à vizinhança de Juazeiro no
princípio de março de l926. Só atendeu ao convite porque reconheceu a
assinatura de Cícero no documento. Acompanhado por um oficial dos
Batalhões Patrióticos, entrou na comarca de Juazeiro em 03 de março,
tendo os cangaceiros uma conduta exemplar. Prometeram a ele, o seu
perdão e o comando de um dos destacamentos , caso aceitasse contaber os
revoltosos. Lampião e seu bando, entrou na cidade no dia 04 de março. Na
audiência com o Padre Cícero, foi lavrado um documento, assinato por
Pedro de Albuquerque Uchôa, inspetor agrícola do Ministério da
Agricultura, nomeando Virgulino capitão dos Batalhões Patrióticos. Esse
documento dava livre trânsito a Lampião e seu grupo, de estado a estado,
para combater a coluna.
Receberam uniformes, armamentos e munição para o combate.
Lampião já tinha pensado muitas vezes em deixar o cangaço. Sem dúvida,
aquela era uma grande oportunidade, proporcionada pelo seu protetor e
padrinho Padre Cícero. Estava disposto a cumprir sua parte no trato e
todas as promessas feitas ao Padre.
Daquele momento em diante, passou a chamar a si próprio de "Capitão Virgulino".
Maria Bonita
Até 1930, ou início de 31, não se tem registro da existência da mulher no Cangaço.
Aparentemente, Lampião foi o primeiro a arranjar uma companheira. Maria
Déia, que ficou conhecida posteriormente como Maria Bonita, foi a
companheira de Virgulino até a morte de ambos. Maria Bonita chamava-se
Dona Maria Neném, e era casada com José Nenem. Foi criada na pequena
fazenda, de propriedade de seu pai, em Jeremoabo/Bahia e vivia em
companhia do marido na cidadezinha de Santa Brígida. Maria não tinha bom
relacionamento com o marido.
Lampião costumava passar várias
vezes pela fazenda dos pais de Maria, porque a mesma ficava na fronteira
entre Bahia e Sergipe. Os pais de Maria Bonita, sentiam pelo Capitão
uma mistura de respeito e admiração. A mãe contou a Lampião que sua
filha era sua admiradora. Um dia, ao passar pela fazenda, Virgulino
encontrou Maria e apaixonou-se à primeira vista. Dias depois quando o
bando retirou-se, já contava com a presença dela ao lado de Lampião, com
o consentimento de sua mãe.
Maria Bonita representava o típo
físico da mulher sertaneja: baixa, cheinha, olhos e cabelos escuros,
dentes bonitos, pele morena clara. Era uma mulher atraente.
CORISCO
Governador do Sertão
Durante o tempo em que esteve preso por Lampião, Pedro Paulo Magalhães
Dias (ou Pedro Paulo Mineiro Dias), inspetor da STANDAR OIL COMPANY
(ESSO), conhecido como Mineiro, testemunhou a vida dos cangaceiros e
traçou o perfil de Virgulino, segundo sua avaliação.
Lampião
pediu à empresa um resgate de vinte contos de réis pelo prisioneiro e
acertou que se o resgate não fosse pago, mataria Mineiro. Mineiro viveu
os dias de cativeiro, atormentado por terrível temor de ser morto por
Lampião. Finalmente, percebendo o estado de espírito do prisioneiro,
Virgulino tranquilizou-o afirmando:
- "Se vier o dinheiro eu solto, se não vier eu solto também, querendo Deus".
Resolveu libertar Mineiro, antes porém, teve uma longa conversa com ele.
Falou para Mineiro, por sentir-se naquele momento Senhor Absoluto do
Sertão, que poderia ser Governador do Sertão. Mineiro perguntou-lhe,
caso fosse governador, que planos teria para governar.Ficou surpreso com
as respostas, que revelaram ter Virgulino conhecimento da situação
política da região, conhecento seus problemas mais urgentes.
Lampião afirmou:
- "Premero de tudo, querendo Deus, Justiça! Juiz e delegado que não fizer justiça só tem um jeito: passar ele na espingarda!
Vem logo as estradas para automóvel e caminhão!
- Mas, o capitão não é contra se fazer estrada? - objetou Mineiro.
- Sou contra porque o Governo só faz estrada pra botar persiga em cima
de mim. Mas eu fazia estrada para o progresso do sertão. Sem estrada não
pode ter adiantamento, Fica tudo no atraso.
Vem depois as escolas e eu obrigava todo mundo a aprender, querendo Deus.
Botava, também, muito doutor (médico) para cuidar da saúde do povo.
Para completar tudo, auxiliava o pessoal do campo, o agricultor e o
criador, para ter as coisas mais barato, querendo Deus" (Frederico
Bezerra Maciel).
Mineiro ouviu e concordou com Virgulino. O que acabara de ouvir representava uma parte da sabedoria do cangaceiro.
Lampião então, senhor de si, ditou para Mineiro, uma carta para o governador de Pernambuco, com a seguinte proposta:
" Senhor Governador de Pernambuco.
Suas saudações com os seus.
Faço-lhe esta devido a uma proposta que desejo fazer ao senhor pra
evitar guerra no sertão e acabar de vez com as brigas... Se o senhor
estiver de acordo, devemos dividir os nossos territórios. Eu que sou
Capitão Virgulino Ferreira Lampião, Governador do sertão, fico
governando esta zona de cá, por inteiro, até as pontas dos trilhos em
Rio Branco. E o senhor, do seu lado, governa do Rio Branco até a pancada
do mar no Recife. Isso mesmo. Fica cada um no que é seu. Pois então é o
que convém. Assim ficamos os dois em paz, nem o senhor manda os seus
macacos me emboscar, nem eu com os meninos atravessamos a extrema, cada
um governando o que é seu sem haver questão. Faço esta por amor à Paz
que eu tenho e para que não se diga que sou bandido, que não mereço.
Aguardo resposta e confio sempre.
Capitão Virgulino Ferreira Lampião, Governador do Sertão.
Seria Mineiro o portador dessa carta, colocada em envelope branco, tipo comercial, com a subscrição:
- Para o Exº Governador de Pernambuco - Recife" (Frederico Bezerra Maciel)
Mineiro notou que quase todos os cangaceiros eram analfabetos. Lampião
sabia ler bem, mas escrevia com muita dificuldade. Antonio Ferreira lia
com dificuldade e não escrevia. Apenas Antônio Maquinista, ex-sargento
do Exército, sabia ler e escrever.
Enfim Lampião solta Mineiro, num ato que se transformou em festa, com muitos discursos e a emoção dos participantes.
Mineiro reconheceu nos cangaceiros, pessoas revoltadas contra a
situação de abandono do sertão. Agradeceu a Deus os dias que passou na
companhia de Lampião e seus cabras. Teceu elogios a Virgulino por sua
personalidade capaz e inteligente. Afirmou que levava a melhor impressão
de todos e que iria propagar, que o capitão e os seus, não eram o que
diziam deles.
Lampião pediu então a Mineiro que dissesse ao mundo a verdade.
Despediu-se mineiro de todos, abraçando um por um os cangaceiros:
Luís Pedro, Maquinista, Jurema, Bom Devera, Zabelê, Colchete, Vinte e
dois, Lua Branca, Relâmpago, Pinga Fogo, Sabiá, Bentevi, Chumbinho, Az
de Ouro, Candeeiro, Vareda, Barra Nova, Serra do Mar, Rio Preto, Moreno,
Euclides, Pai Velho, Mergulhão, Coqueiro, Quixadá, Cajueiro, Cocada,
Beija Flor, Cacheado, Jatobá, Pinhão, Mormaço, Ezequiel Sabino,
Jararaca, Gato, Ventania, Romeiro, Tenente, Manuel Velho, Serra Nova,
Marreca, Pássaro Preto, Cícero Nogueira, Três cocos, Gaza, Emiliano,
Acuana, Frutuoso, Feião, Biu, Sabino
Finalizando:
Cordão de Ouro, Ferreirinha, Antônio Ferreira e Lampião
Foi entrevistado pelo médico de Crato, Dr. Octacílio Macêdo.
"A entrevista teve dois momentos. O primeiro foi travado o seguinte diálogo:
- Que idade tem?
- Vinte e sete anos.
- Há quanto tempo está nesta vida?
- Há nove anos, desde 1917, quando me ajuntei ao grupo do Senhor Pereira.
- Não pretende abandonar a profissão?
A esta pergunta Lampião respondeu com outra:
- Se o senhor estiver em um negócio, e for se dando bem com ele,
pensará porventura em abandoná-lo? Pois é exatamente o meu caso. Porque
vou me dando bem com este "negócio", ainda não pensei em abandoná-lo.
- Em todo o caso, espera passar a vida toda neste "negócio"?
- Não sei... talvez... preciso porém "trabalhar" ainda uns três anos.
Tenho alguns "amigos" que quero visitá-los, o que ainda não fiz,
esperando uma oportunidade.
- E depois, que profissão adotará?
- Talvez a de negociante.
- Não se comove a extorquir dinheiro e a "variar" propriedades alheias?
- Oh! mas eu nunca fiz isto. Quando preciso de algum dinheiro, mando pedir "amigavelmente" a alguns camaradas.
Nesta altura chegou o 1° tenente do Batalhão Patriótico de Juazeiro, e
chamou Lampião para um particular. De volta avisou-nos o facínora:
- Só continuo a fazer este "depoimento" com ordem do meu superior. (Sic!)
- E quem é seu superior?
- ! !
- Está direito...
Quando voltamos, algumas horas depois, à presença de Lampião, já este
se encontrava instalado em casa do historiador brasileiro João Mendes de
Oliveira.
Rompida, novamente, a custo, a enorme massa popular
que estacionava defronte à casa, penetramos por um portão de ferro, onde
veio Lampião ao nosso encontro, dizendo:
- Vamos para o sótão, onde conversaremos melhor.
Subimos uma escadaria de pedra até o sótão. Aí notamos, seguramente,
uns quarenta homens de Lampião, uns descansando em redes, outros
conversando em grupos; todos, porém, aptos à luta imediata: rifle,
cartucheiras, punhais e balas...
- Desejamos um autógrafo seu, Lampião.
- Pois não.
Sentado próximo de uma mesa, o bandido pegou da pena e estacou, embaraçado.
- Que qui escrevo?
- Eu vou ditar.
E Lampião escreveu com mãos firmes, caligrafia regular.
"Juazeiro, 6 de março de 1926
Para... e o Coronel...
Lembrança de EU.
Virgulino Ferreira da Silva.
Vulgo Lampião".
Os outros facínoras observavam-nos, com um misto de simpatia e
desconfiança. Ao lado, como um cão de fila, velava o homem de maior
confiança de Lampião, Sabino Gomes, seu lugar-tenente, mal-encarado.
-É verdade, rapazes! Vocês vão ter os nomes publicados nos jornais em letras redondas...
A esta afirmativa, uns gozaram o efeito dela, porém parece que não gostaram da coisa.
- Agora, Lampião, pedimos para escrever os nomes dos rapazes de sua maior confiança.
- Pois não. E para não melindrar os demais companheiros, todos me
merecem igual confiança, entretanto poderia citar o nome dos
companheiros que estão há mais tempo comigo.
E escreveu.
1 - Luiz Pedro
2 - Jurity
3 - Xumbinho
4 - Nuvueiro
5 - Vicente
6 - Jurema
E o estado maior:
1 - Eu, Virgulino Ferreira
2 - Antônio Ferreira
3 - Sabino Gomes.
Passada a lista para nossas mãos fizemos a "chamada" dos cabecilhas fulano, cicrano, etc.
Todos iam explicando a sua origem e os seus feitos. Quando chegou a vez
de "Xumbinho", apresentou-se-nos um rapazola, quase preto, sorridente,
de 18 anos de idade.
- É verdade, "Xumbinho"! Você, rapaz tão
moço, foi incluído por Lampião na lista dos seus melhores homens...
Queremos que você nos ofereça uma lembrança...
"Xumbinho" gozou o elogio. Todo humilde, tirou da cartucheira uma bala e nos ofereceu como lembrança...
- No caso de insucesso com a polícia, quem o substituirá como chefe do bando?
- Meu irmão Antônio Ferreira ou Sabino Gomes...
- Os jornais disseram, ultimamente, que o tenente Optato, da polícia
pernambucana, tinha entrado em luta com o grupo, correndo a notícia
oficial da morte de Lampião.
- É ,o tenente é um "corredor", ele
nunca fez a diligência de se encontrar "com nós"; nós é que lhe matemos
alguns soldados mais afoitos.
- E o cel. João Nunes, comandante geral da polícia de Pernambuco, que também já esteve no seu encalço?
- Ah, este é um "velho frouxo", pior do que os outros...
Neste momento chegou ao sótão uma "romeira" velha, conduzindo um
presente para Lampião. Era um pequeno "registro" e um crucifixo de latão
ordinário. "Velinha", apresentando as imagens: "Stá aqui, seu coroné
Lampião, que eu truve para vomecê".
- Este santo livra a gente de balas? Só me serve si for santo milagroso.
Depois, respeitosamente, beijou o crucifixo e guardou-o no bolso. Em
seguida tirou da carteira um nota de 10$000 e gorgetou a romeira.
- Que importância já distribuiu com o povo do Juazeiro?
- Mais de um conto de réis.
Lampião começou por identificar-se:
- Chamo-me Virgulino Ferreira da Silva e pertenço à humilde família
Ferreira do Riacho de São Domingos, município de Vila Bela. Meu pai, por
ser constantemente perseguido pela família Nogueira e em especial por
Zé Saturnino, nossos vizinhos, resolveu retirar-se para o município de
Águas Brancas, no estado de Alagoas. Nem por isso cessou a perseguição.
- Em Águas Brancas, foi meu pai, José Ferreira, barbaramente assassinado pelos Nogueira e Saturnino, no ano de 1917.
- Não confiando na ação da justiça pública, por que os assassinos
contavam com a escandalosa proteção dos grandes, resolvi fazer justiça
por minha conta própria, isto é, vingar a morte do meu progenitor. Não
perdi tempo e resolutamente arrumei-me e enfrentei a luta. Não escolhi
gente das famílias inimigas para matar, e efetivamente consegui
dizimá-las consideravelmente.
Sobre os grupos a que pertenceu:
- Já pertenci ao grupo de Sinhô Pereira, a quem acompanhei durante dois
anos. Muito me afeiçoei a este meu chefe, porque é um leal e valente
batalhador, tanto que se ele ainda voltasse ao cangaço iria ser seu
soldado.
Sobre suas andanças e seus perseguidores:
- Tenho percorrido os sertões de Pernambuco, Paraíba e Alagoas, e uma
pequena parte do Ceará. Com as polícias desses estados tenho entrado em
vários combates. A de Pernambuco é disciplinada e valente, e muito
cuidado me tem dado. A da Paraíba, porém, é uma polícia covarde e
insolente. Atualmente existe um contingente da força pernambucana de
Nazaré que está praticando as maiores violências, muito se parecendo com
a força paraibana.
Referindo-se a seus coiteiros, Lampião esclareceu:
- Não tenho tido propriamente protetores. A família Pereira, de Pajeú, é
que tem me protegido, mais ou menos. Todavia, conto por toda parte com
bons amigos, que me facilitam tudo e me consideram eficazmente quando me
acho muito perseguido pelos governos.
- Se não tivesse de
procurar meios para a manutenção dos meus companheiros, poderia ficar
oculto indefinidamente, sem nunca ser descoberto pelas forças que me
perseguem.
- De todos meus protetores, só um traiu-me
miseravelmente. Foi o coronel José Pereira Lima, chefe político de
Princesa. É um homem perverso, falso e desonesto, a quem durante anos
servi, prestando os mais vantajosos favores de nossa profissão.
A respeito de como mantém o grupo:
- Consigo meios para manter meu grupo pedindo recursos aos ricos e
tomando à força aos usuários que miseravelmente se negam de prestar-me
auxílio.
Se estava rico?
- Tudo quanto tenho adquirido na
minha vida de bandoleiro mal tem chegado para as vultuosas despesas do
meu pessoal - aquisição de armas, convindo notar que muito tenho gasto,
também, com a distribuição de esmolas aos necessitados.
A respeito do número de seus combates e de suas vítimas disse:
- Não posso dizer ao certo o número de combates em que já estive
envolvido. Calculo, porém, que já tomei parte em mais de duzentos.
Também não posso informar com segurança o número de vítimas que tombaram
sob a pontaria adestrada e certeira de meu rifle. Entretanto, lembro-me
perfeitamente que, além dos civis, já matei três oficiais de polícia,
sendo um de Pernambuco e dois da Paraíba. Sargentos, cabos e soldados, é
impossível guardar na memória o número dos que foram levados para o
outro mundo.
Sobre as perseguições e fugas deixou claro:
-
Tenho conseguido escapar à tremenda perseguição que me movem os
governos, brigando como louco e correndo rápido como vento quando vejo
que não posso resistir ao ataque. Além disso, sou muito vigilante, e
confio sempre desconfiando, de modo que dificilmente me pegarão de corpo
aberto.
- Ainda é de notar que tenho bons amigos por toda parte, e estou sempre avisado do movimento das forças.
- Tenho também excelente serviço de espionagem, dispendioso mas utilíssimo.
Seu comportamento mereceu alguns comentários bastante francos:
- Tenho cometido violências e depredações vingando-me dos que me
perseguem e em represália a inimigos. Costumo, porém, respeitar as
famílias, por mais humildes que sejam, e quando sucede algum do meu
grupo desrespeitar uma mulher, castigo severamente.
Perguntado se deseja deixar essa vida:
- Até agora não desejei, abandonar a vida das armas, com a qual já me
acostumei e sinto-me bem. Mesmo que assim não sucedesse, não poderia
deixá-la, porque os inimigos não se esquecem de mim, e por isso eu não
posso e nem devo deixá-los tranquilos. Poderia retirar-me para um lugar
longinguo, mas julgo que seria uma covardia, e não quero nunca passar
por um covarde.
Sobre a classe da sua simpatia:
- Gosto
geralmente de todas as classes. Aprecio de preferência as classes
conservadoras - agricultores, fazendeiros, comerciantes, etc., por serem
os homens do trabalho. Tenho veneração e respeito pelos padres, porque
sou católico. Sou amigo dos telegrafistas, porque alguns já me tem salvo
de grandes perigos. Acato os juizes, porque são homens da lei e não
atiram em ninguém.
- Só uma classe eu detesto: é a dos soldados,
que são meus constantes perseguidores. Reconheço que muitas vezes eles
me perseguem porque são sujeitos, e é justamente por isso que ainda
poupo alguns quando os encontro fora da luta.
Perguntado sobre o cangaceiro mais valente do nordeste:
- A meu ver o cangaceiro mais valente do nordeste foi Sinhô Pereira.
Depois dele, Luiz Padre. Penso que Antonio Silvino foi um covarde,
porque se entregou às forças do governo em consequência de um pequeno
ferimento. Já recebi ferimentos gravíssimos e nem por isso me entreguei à
prisão.
- Conheci muito José Inácio de Barros. Era um homem de
planos, e o maior protetor dos cangaceiros do nordeste, em cujo convívio
sentia-se feliz.
Questionado sobre ferimentos em combate, contou:
- Já recebi quatro ferimentos graves. Dentre estes, um na cabeça, do
qual só por um milagre escapei. Os meus companheiros também, vários têm
sido feridos. Possuímos, porém, no grupo, pessoas habilitadas para
tratar dos ferimentos, de modo que sempre somos convenientemente
tratados. Por isso, como o senhor vê, estou forte e perfeitamente sadio,
sofrendo, raramente, ligeiros ataques reumáticos.
Sobre ter numeroso grupo:
- Desejava andar sempre acompanhado de numeroso grupo. Se não o
organizo conforme o meu desejo é porque me faltam recursos materiais
para a compra de armamentos e para a manutenção do grupo - roupa,
alimentação, etc. Estes que me acompanham é de quarenta e nove homens,
todos bem armados e municiados, e muito me custa sustentá-los como
sustento. O meu grupo nunca foi muito reduzido, tem variado sempre de
quinze a cinquenta homens.
Sobre padre Cícero Lampião foi bem específico:
- Sempre respeitei e continuo a respeitar o estado do Ceará, porque
aqui não tenho inimigos, nunca me fizeram mal, e além disso é o estado
do padre Cícero. Como deve saber, tenho a maior veneração por esse santo
sacerdote, porque é o protetor dos humildes e infelizes, e sobretudo
porque há muitos anos protege minhas irmãs, que moram nesta cidade. Tem
sido para elas um verdadeiro pai. Convém dizer que eu ainda não conhecia
pessoalmente o padre Cícero, pois esta é a primeira vez que venho a
Juazeiro.
Em relação ao combate aos revoltosos:
- Tive um
combate com os revoltosos da coluna Prestes, entre São Miguel e Alto de
Areias. Informado de que eles passavam por ali, e sendo eu um legalista,
fui atacá-los, havendo forte tiroteio. Depois de grande luta, e estando
com apenas dezoito companheiros, vi-me forçado a recuar, deixando
diversos inimigos feridos.
A respeito de sua vinda ao Ceará:
-
Vim agora ao Cariri porque desejo prestar meus serviços ao governo da
nação. Tenho o intuito de incorporar-me às forças patrióticas do
Juazeiro, e com elas oferecer combate aos rebeldes. Tenho observando
que, geralmente, as forças legalistas não têm planos estratégicos, e daí
os insucessos dos seus combates, que de nada tem valido. Creio que se
aceitassem meus serviços e seguissem meus planos, muito poderíamos
fazer.
Sobre o futuro Lampião mostrou-se incerto, apesar de ter planos:
- Estou me dando bem no cangaço, e não pretendo abandoná-lo. Não sei se
vou passar a vida toda nele. Preciso trabalhar ainda uns três anos.
Tenho de visitar alguns amigos, o que não fiz por falta de oportunidade.
Depois, talvez me torne um comerciante.
Aqui termina a entrevista concedida por Lampião em Juazeiro.
Na despedida Lampião nos acompanhou até a porta. Pediu nosso cartão de visita e acrescentou:
- Espero contar com os "votos" dos senhores em todo tempo!
- Que dúvida... respondemos.
Como sabemos, Lampião, o "Rei do Cangaço", não viveu o suficiente para ver todos seus planos concretizados. "
Expedita Ferreira Nunes e Vera Ferreira, respectivamente, filha e neta de Virgulino Ferreira – o Lampião – com Maria Bonita.
A família
Virgolino Ferreira da Silva era o terceiro dos muitos filhos de José
Ferreira da Silva e de Maria Lopes. Nasceu em 1898, como consta em sua
certidão de batismo, e não em 1897, como citado de várias obras.
A família Ferreira formou-se na seguinte sequência, por datas de nascimento:
1895 - Antonio Ferreira dos Santos
1896 - Livino Ferreira da Silva
1898 - Virgolino Ferreira da Silva
???? - Virtuosa Ferreira
1902 - João Ferreira dos Santos
???? - Angélica Ferreira
1908 - Ezequiel Ferreira
1910 - Maria Ferreira (conhecida como Mocinha)
1912 - Anália Ferreira
Todos os filhos do casal nasceram no sítio Passagem das Pedras, pedaço
de terras desmembrado da fazenda Ingazeira, às margens do Riacho São
Domingos, no município de Vila Bela, atualmente Serra Talhada, no Estado
de Pernambuco.
Esse sítio ficava a uns 200 metros da casa de
dona Jacosa Vieira do Nascimento e Manoel Pedro Lopes, avós maternos de
Virgolino. Por causa dessa proximidade Virgolino residiu com eles
durante grande parte de sua infância. Seus avós paternos eram Antonio
Ferreira dos Santos Barros e Maria Francisca da Chaga, que residiam no
sítio Baixa Verde, na região de Triunfo, em Pernambuco.
A infância de Virgolino transcorreu normalmente, em nada diferente das
outras crianças que com ele conviviam. Todas as informações disponíveis
levam a crer que as brincadeiras de Virgolino com seus irmãos e amigos
de infância eram
nadar no Riacho São Domingos e atirar com o bodoque,
um arco para bolas de barro. Também brincavam de cangaceiros e
volantes, como todos os outros meninos da época, imitando, na fantasia, a
realidade do que viam à sua volta, "enfrentando-se" na caatinga. Em
outras palavras, brincavam de "mocinho e bandido", como faziam as
crianças nas outras regiões mais desenvolvidas do país.
Foi
alfabetizado por Domingos Soriano e Justino de Nenéu, juntamente com
outros meninos. Freqüentou as aulas por apenas três meses, tempo
suficiente para que aprendesse as primeiras letras e pudesse, pelo
menos, escrever e responder cartas, o que já era mais instrução do que
muitos conseguiam durante toda sua vida, naquelas circunstâncias.
O sustento da família vinha do criatório e da roça em que trabalhavam
seu pai e os irmãos mais velhos, e da almocrevaria. O trabalho de
almocreve estava mais a cargo de Livino e de Virgolino, e consistia em
transportar mercadorias de terceiros no lombo de uma tropa de burros de
propriedade da família.
Os trajetos variavam bastante, mas de
forma geral iniciavam-se no ponto final da Great Western, estrada de
ferro que ligava Recife a Rio Branco, hoje chamada Arcoverde, em
Pernambuco. Ali recolhiam as mercadorias a serem distribuídas pelos
locais designados por seus contratantes, em diversas vilas e lugarejos
do sertão. Esse conhecimento precoce dos caminhos do sertão foi, sem
dúvida, muito valioso para o cangaceiro Lampião, alguns anos mais tarde.
Por duas vezes Virgolino acompanhou a tropa até o sertão da Bahia, mais
exatamente até as cidades de Uauá e Monte Santo. Nesta última havia um
depósito de peles de caprinos que eram, de tempos em tempos, enviadas
pelo responsável, Salustiano de Andrade, para a Pedra de Delmiro, em
Alagoas, para processamento e exportação para a Europa.
Esta
informação nos foi prestada por dona Maria Corrêa, residente em Monte
Santo, Bahia. Dona Maria Corrêa, mais conhecida como Maria do Lúcio,
exercia a profissão de parteira e declarou-nos que, quando jovem,
conheceu Virgolino Ferreira durante uma de suas visitas ao depósito de
peles.
Como curiosidade e melhor identificação, dona Maria Corrêa
é a parteira que foi condecorada pelo então presidente Juscelino
Kubitschek de Oliveira ao completar mil partos realizados com sucesso.
É bom frisar que as peles caprinas não eram compradas pelos Ferreira,
apenas transportadas por eles, num serviço semelhante ao do frete
rodoviário dos dias atuais.
Em quase todas suas viagens os irmãos
tinham a companhia de Zé Dandão, indivíduo que conviveu durante muito
tempo com a família Ferreira.
Nossas pesquisas na região comprovaram, através de diversos depoimentos
pessoais, que José Ferreira, o patriarca da família, era pessoa pacata,
trabalhadora, ordeira e de ótima índole, do tipo que evita ao máximo
qualquer desentendimento.
Esses depoimentos positivos merecem
especial atenção e ainda maior credibilidade por terem sido prestados
por pessoas inimigas da família. Apesar da inimizade preferiram contar a
verdade a denegrir gratuitamente o nome de José Ferreira.
A mãe
de Virgolino já era um pouco diferente, mais realista em relação ao
ambiente em que viviam. De maneira geral todos os entrevistados
declararam que José Ferreira desarmava os filhos na porta da frente e
dona Maria os armava na porta de trás dizendo:
- Filho meu não é para ser guardado no caritó. Não criei filho para ser desmoralizado.