Imagine que você é o presidente do país... Encare o
que está ao seu redor. Sua vida é cercada por seguranças que você mal sabe o
nome, carros pretos blindados, tapinha nas costas e um batalhão de gente
buscando aproveitar o máximo possível da sua influência ou sumariamente
destruí-lo. Sem meio termo. Ser presidente de um país como o nosso não é uma das
tarefas mais fáceis do mundo. Quer dizer, não é como se você fosse um monarca
em Liechtenstein ou um primeiro-ministro na Dinamarca. Encarar diariamente a
sua mesinha de reuniões e lidar com todos aqueles problemas estruturais que a
gente está cansado de ver nos noticiários desde que o mundo é mundo é um
desafio e tanto. E o pior, você vive rodeado de pessoas completamente diferentes
de você, que buscam ora apoiá-lo, ora sabotá-lo, e que não raramente são
responsáveis por tropeços monumentais, sujando o seu nome país afora.
Pense
nas pessoas do outro lado da mesa. Cada uma delas – assessores, secretários,
ministros e políticos do alto escalão da sua base – acredita deter o
conhecimento necessário para ocupar os cargos mais altos possíveis do seu
governo. E não apenas isso. Se você tivesse o poder de abrir mão da sua própria
posição e entregar o seu cargo a qualquer um dos presentes, todos aqueles caras
estariam dispostos a encarar leões com uma faquinha sem ponta numa arena de
gladiadores para alcançar esse objetivo. Sem pensar duas vezes.
E
tudo isso por uma razão muito simples – é na ponta da sua caneta que as coisas
acontecem de verdade. Todos aqueles homens e mulheres naquelas salas fechadas e
é você quem manda no pedaço. Você atravessa as portas e subitamente todos se
levantam. Você pede silêncio e então, bingo, ele aparece como num passe de
mágica. É atrás de você que estão todos aqueles repórteres lá fora, e os
grandes empresários, e os governadores aliados. E há as pessoas. Milhões delas.
Todo mundo sabe quem é você. Gente do sul e do nordeste, gente rica e gente
pobre, gente que nunca leu um livro na vida, gente que escreveu dezenas deles.
Você é o centro das atenções e das decisões do país. E é para a sua cadeira que
todos olham.
E
isso se dá porque, por alguma razão, num certo momento da sua vida, você
acreditou deter o conhecimento suficiente para ser a pessoa certa a ocupar o
cargo mais alto do país. E não apenas isso. Você se responsabilizou em
representar o seu partido e com isso empregar uma multidão de pessoas em
ministérios e cargos de confiança. Agora todas aquelas pessoas dependem que o
poder daquela caneta esteja nas suas mãos, e não em dedos adversários. Em suma:
lutar pela sua posição o torna não apenas importante no grande quadro para
milhões de brasileiros, mas especialmente para o grupo de pessoas que você mais
se identifica – a sua própria turma.
Imagine
que há mais de cem mil cargos
de confiança. 1/4 disso é o crème de la crème, os
chamados cargos de Direção e Assessoramento Superior (DAS), o grande filé que
todos aqueles seus companheiros sonham. A caneta é sua aqui. Em pouco tempo
você irá perceber que lotear todos esses cargos premiando seus filiados é a
mesma coisa que influenciar a distribuição de recursos – ou seja, favorecer
aliados ou regiões que lhe permitiram alcançar aquela cadeira, alimentando não
apenas a sua própria posição enquanto líder de grupo, mas aumentando o poder do
seu partido. Não é de se espantar que tanta gente busque carreira na política,
não é mesmo? Há uma imensa vaca gorda na sua frente jorrando leite, sustentada
através do dinheiro de milhões de pessoas. Que um grupo de sujeitos se organize
para abocanhar a maior parte disso tudo, incentivado por seus próprios interesses
– como, aliás, em qualquer outra área de atividade humana – não chega a ser uma
grande surpresa.
Como
alcançar o controle dessa máquina de fazer dinheiro e poder? Através do voto,
num concurso de ideias aberto a milhões de pessoas. Esse é o alicerce da
democracia representativa: você se inscreve numa competição com outros
candidatos em poder de igualdade, prometendo soluções e desconstruindo as
ideias apresentadas por seus competidores, e então torce para que a maioria das
pessoas depositem suas confianças numa foto três por quatro sua numa urna
eletrônica. Todos aqueles caras que formam a sua base saem por aí influenciando
o resultado final.
Foi
exatamente nesse cenário que a presidente Dilma foi eleita na última grande
corrida à maquina. Com um porém, no entanto: fraudando a lógica do concurso.
Não
existe muito mistério daquilo que se entende como eleição democrática.
Democracia é um regime político onde todos os cidadãos com poder de voto
participam com o mesmo peso na elegibilidade dos candidatos com as melhores
propostas. Acontece que quando um político surge pincelando um retrato torto da
realidade, prometendo soluções impossíveis, ignorando o mundo real, omitindo
informações e maquiando dados oficiais de sua própria gestão, sua eleição se dá
exclusivamente através de um estelionato, um golpe realizado à luz da
democracia, construído para arrebatar milhões de incautos. E nesse cenário tudo
é possível – a eleição abandona a natureza daquilo que é real para abraçar o
mundo da fantasia, e a discussão política vira mera obra de ficção, literatura
fantástica. Uma fraude.
De
fato, como parece inegável nesse momento, não foram as ideias e propostas de
Dilma as responsáveis por elegê-la. Dilma foi eleita graças a uma releitura
fraudulenta da realidade de seu governo e de seus adversários.
Em sua
propaganda, Aécio era um filhinho de papai, machista, que cheirava cocaína, batia na mulher, arriscava retirar direitos sociais, defendia que os jovens estivessem na cadeia ao invés das escolas, ameaçava a democracia, defendia a escravidão, o genocídio da juventude negra e pregava ódio contra os nordestinos. Marina Silva não deixava por
menos – era uma serviçal dos interesses dos banqueiros, tinha desvio de caráter, ameaçava tirar comida da mesa dos mais
pobres e acabar com os programas sociais, era simpática à ditadura militar e cumpria um script que
logo a transformaria numa versão femininade Fernando Collor.
E
não apenas isso. Para Dilma, que entra para a história como a responsável por
conduzir os piores números de crescimento econômico em toda era republicana, o
país atravessava um grande momento e quem dissesse o contrário praticava o mero
exercício de pessimismo.
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