Certa vez citei (lá no BdL) que somos ‘filhos do carbono e do amoníaco’, lembrando que se tratava de uma frase de Augusto dos Anjos. Ocorreram comentários curiosos e até uma pergunta da Li sobre o contexto em que ela se encontrava. Curiosidade natural dos químicos aliada à sua veia poética. Sei que passou um tempão, mas só agora, lendo num site de Professores de Química uma interessante pergunta de uma aluna, dei-me conta da ausência de resposta.
O questionamento diferente da aluna foi aproximadamente: “Augusto dos Anjos disse que somos filhos do carbono e do amoníaco". Do carbono sei que sim, mas que relação tem o amoníaco com isso? Quimicamente falando, somos filhos do quê?
A resposta, que não identificou o professor e à qual eu acrescento dados, é a seguinte: A composição elementar percentual, em massa, de um ser humano adulto e saudável, p/ os 7 elementos mais abundantes, é:
62,8% de oxigênio, 19,4% de carbono, 9,3% de hidrogênio, 5,1% de nitrogênio, 1,4% de cálcio, 0,64% de enxofre e 0,63% de fósforo. Isso totaliza mais de 99% da massa; portanto os outros elementos participam com menos de 1% (dados coletados em E. Bioinorganic Chemistry : an introduction - Allyn & Bacon, 1977).
Se formos levar adiante a metáfora do poeta, podemos dizer que somos filhos do ar, que contém nitrogênio, oxigênio, gás carbônico (carbono) e vapor d’água (hidrogênio).
Mas, creio eu, que Augusto dos Anjos estava se referindo, poeticamente, aos aminoácidos carbono e amônia. E, completando, especialmente à Li:
como nossos corpos têm praticamente todos os elementos estáveis da Tabela Periódica, eu preferiria dizer que somos filhos "da poeira das estrelas".
Aqui vai a poesia em questão (alerto para o tom lúgubre, tétrico do poeta que, penso, estava meio ‘down’ no dia):
Psicologia de um vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme - este operário das ruínas -
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme - este operário das ruínas -
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
JoaquimRoberto
Genérico, mas com um certo conteúdo...
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