A divulgação pelo site The Intercept de arquivos com
mensagem trocadas entre integrantes da Operação Lava Jato mostrou aos
brasileiros, mais uma vez, o impacto desse tipo de notícia na política
do país. Desde a década de 1990, a publicação de conversas gravadas ou
filmadas sem o conhecimento de interlocutores provocou sucessivos
escândalos na República.
O caso atual tem como diferencial a captação de informações enviadas
pelo aplicativo Telegram. Os anteriores se originaram de grampos
telefônicos – alguns legais, outros não –, gravadores ou câmeras. A
intromissão na intimidade das autoridades atingiu parlamentares,
ministros de Estado, presidentes da República e integrantes do Supremo
Tribunal Federal (STF).
Apesar das circunstâncias controversas em que os registros chegaram à
imprensa, todos os episódios tiveram desdobramentos para os
protagonistas, independentemente da legalidade dos métodos usados na
obtenção das informações. Em todos os casos, o conteúdo dos diálogos
contribuiu para a sociedade conhecer melhor o que se passa nas entranhas
do poder.
Um
dos fatos com maior repercussão foi a gravação feita pelo empresário
Joesley Batista, do grupo JBS, de conversas com o ex-presidente Michel
Temer. “Tem que manter isso aí, viu?”, disse o então chefe do Executivo,
referindo-se a pagamentos feitos ao ex-presidente da Câmara, Eduardo
Cunha (MDB-RJ), preso em decorrência da Lava Jato, para assegurar seu
silêncio.
Em novembro de 1995, a revista IstoÉ publicou a reportagem Escândalo
no Planalto com trechos de conversas captadas em grampos instalados por
agentes da Polícia Federal no telefone de Júlio César Gomes dos Santos,
diplomata e assessor do então presidente, Fernando Henrique Cardoso.
As gravações revelaram os movimentos de integrantes do governo em
favor da empresa norte-americana Raytheon na licitação para a instalação
do Sistema de Vigilância da Amazônia.
Em decorrência da divulgação das conversas, o então ministro da
Aeronáutica, Mauro Gandra, pediu demissão e saiu do governo. Também
caíram Gomes dos Santos e o então chefe do Gabinete Pessoal de FHC,
Francisco Graziano, suspeito de responsabilidade pelo grampo.
A interceptação telefônica era ilegal, embora a Polícia Federal tenha
informalmente divulgado a versão de que a iniciativa fora autorizada
por um juiz como parte de uma investigação sobre narcotráfico.
Uma série de reportagens da Folha de S.Paulo revelou em 1997 que
alguns deputados venderam seus votos em favor da emenda constitucional
que instituiu a reeleição para presidente do Brasil. O material
baseou-se em gravações, supervisionadas pelo jornal, feitas por uma
pessoa identificada como Senhor X.
A Folha publicou as reportagens logo depois da aprovação da emenda.
Segundo o jornal, cinco deputados negociaram seus votos, que teriam sido
pagos pelos governadores Amazonino Mendes, do Amazonas, e Orleir
Cameli, do Acre. O preço de cada parlamentar chegava a R$ 200 mil.
Em consequência da publicação, os deputados Ronivon Santiago (AC) e
João Maia (AC), ambos do PFL, atual DEM, renunciaram aos mandatos. As
conversas foram captadas por um interlocutor desses parlamentares
equipado com um gravador japonês da marca Sony, modelo M-909.
A revista Época publicou em novembro de 1998 o conteúdo de fitas com
conversas do então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de
Barros, e do então presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), André Lara Resende.
A reportagem “Chantagem dentro do governo” mostrou bastidores da
privatização da Telebras e apontou suspeitas de favorecimento ao
consórcio organizado pelo Banco Opportunity, de Daniel Dantas. Duas
semanas depois, as gravações foram divulgadas pela revista.
Envolvidos no escândalo, Mendonça de Barros, Lara Resende e
integrantes do segundo escalão do governo pediram demissão. Eles foram
acusados de improbidade administrativa e absolvidos. Dois funcionários
da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) foram condenados a 3 anos e
4 meses de prisão pela autoria do grampo ilegal. Recorreram em
liberdade e o crime prescreveu.
Assessor do então ministro José Dirceu, da Casa Civil, Waldomiro
Diniz perdeu o cargo em 2004 depois da divulgação, pela revista Época,
de um vídeo em que ele pede propina ao empresário Carlos Augusto Ramos, o
Cachoeira.
As imagens foram gravadas por Cachoeira ainda em 2002, quando Diniz
trabalhava na Loterj, autarquia responsável pelas loterias no Rio de
Janeiro. Na conversa, ele solicita 1% do valor do contrato para ele e R$
150 mil para campanha eleitoral do PT.
Em troca, Diniz se comprometia a ajudar o empresário em uma licitação
no governo do Rio de Janeiro. Contribuiu para sua queda do Palácio do
Planalto o fato de que ele atuou em favor de Cachoeira também no governo
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Conversas captadas por grampos ilegais instalados no telefone do
então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar
Mendes, divulgadas pela revista Veja em 2008 provocaram demissão do
então diretor da Abin, Paulo Lacerda.
As gravações foram feitas irregularmente por espiões que atuavam na
Operação Satiagraha, comandada pelo então delegado da Polícia Federal,
Protógenes Queiroz. Durante a investigação, foram presas pessoas
acusadas de envolvimento em desvio e lavagem de dinheiro público, entre
elas o banqueiro Daniel Dantas.
Um dos temas abordado nos telefonemas foi um pedido de impeachment
contra Gilmar Mendes feito pouco tempo antes por um grupo de juristas.
Em uma das conversas, o então presidente do STF agradece ao então
senador Demóstenes Torres (PFL-GO) por tê-lo defendido.
As gravações ilegais motivaram a anulação da Operação Satiagraha e o afastamento de Protógenes da Polícia Federal.
A divulgação em 2011 de vídeos com imagens do ex-ministro José
Dirceu, da Casa Civil, em um hotel de Brasília produziu muito barulho na
política, embora sem grandes consequências. Enquanto respondia a
processo por envolvimento com o Mensalão, Dirceu recebeu políticos e fez
reuniões durante a crise que levou à queda de Antonio Palocci do
governo Dilma Rousseff.
Palocci ocupava a mesma Casa Civil comandada por Dirceu no governo
Lula. Caiu após a descoberta de que recebera pagamentos milionários de
empresários por consultorias que teria feito durante a campanha
eleitoral.
Segundo a revista Veja, que tornou os vídeos públicos, Dirceu
conspirava contra o governo Dilma para ocupar o espaço deixado por
Palocci. Essas suspeitas, no entanto, não foram comprovadas
posteriormente.
Entre os visitantes estavam os então senadores Lindibergh Farias
(PT-RJ), Walter Pinheiro (PT-BA), Delcídio Amaral (PT-MS) e o então
ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel.
Vítima do vazamento de mensagens trocadas pelo aplicativo Telegram, o
ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, protagonizou uma
quebra de sigilo ilegal em 2016, quando era o juiz responsável pelos
processos da Operação Lava Jato. Na ocasião, ele divulgou diálogos do ex-presidente Lula com alguns interlocutores, entre eles a então presidente, Dilma Rousseff.
As conversas foram gravadas por meio de grampos telefônicos feitos
pela Lava Jato, mas a captação se deu fora do prazo determinado pela
ordem judicial. O ministro Teori Zavascki, do STF, considerou a
divulgação dos diálogos ilegal e inconstitucional e requisitou o
processo.
Zavascki considerou que, por envolver a então presidente da
República, o sigilo da gravação só poderia ser levantado pelo STF. No
trecho mais complicado, Dilma informa Lula que enviaria para ele o termo
de sua posse como ministro-chefe da Casa Civil.
No contexto, assumir o cargo daria a Lula foro especial, o que
impediria sua prisão por ordem de Moro. Por causa da publicação dos
diálogos, o ministro Gilmar Mendes, do STF, suspendeu a posse do
ex-presidente. No mesmo ano, Dilma sofreu impeachment e foi afastada do
Planalto.
O gravador de Joesley Batista (2017)
O empresário Joesley Batista, do grupo JBS, tornou públicas, em 2017,
conversas que teve com o então presidente, Michel Temer, dentro de um
acordo de delação premiada que negociava com o Ministério Público.
Gravados sem o conhecimento do chefe do Executivo, os diálogos tratavam
de medidas para conter a Operação Lava Jato e da compra do silêncio do
ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ), deposto e preso durante
as investigações.
Esse foi o maior escândalo do governo Temer e contribuiu para a
desorganização da base de apoio no Parlamento. Com isso, a reforma da
Previdência foi inviabilizada.
A frase que teve mais repercussão foi dita por Temer depois que
Joesley afirmou que estava pagando pelo silêncio de Cunha. “Tem que
manter isso aí, viu?”, orientou o então presidente.
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