"Você vai falar com o pastor agora." Quando o assessor passa o
telefone ao deputado Marco Feliciano (PSC-SP), avisa que, além do
político, está ali a liderança religiosa. E ela é parte importante das
opiniões de Feliciano, membro da comissão de impeachment para quem Deus e
as igrejas tiveram um papel na crítica ao governo.
"As
igrejas começaram a se mover. Elas eram apolíticas, né? Até que
começaram a perceber que a política podia (se) movimentar atrapalhando a
fé delas."
Figura polêmica
por suas posições contrárias ao casamento homossexual e ao aborto, o
deputado votou na segunda-feira pela aprovação do parecer do relator
Jovair Arantes (PTB-GO), favorável à abertura do processo de afastamento
da presidente Dilma Rousseff.
Em
entrevista à BBC Brasil, ele diz que "seu sonho primário" é ver o PT
perder o governo e chama o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, de "meu
malvado favorito", elogiando-o por ter aceitado o pedido de impeachment.
"O
Cunha, todo mundo chama de malvado, né? Se ele é malvado, para mim é
meu malvado favorito. Porque ele colocou o impeachment para andar."
O
deputado também defendeu as várias menções religiosas durante a última
reunião da comissão, que começou com seu presidente, o deputado Rogério
Rosso (PSD-DF), entoando a oração de São Francisco de Assis. Para
Feliciano, isso não feriria o princípio do Estado laico.
"Graças
a Deus por o Estado ser laico. O Parlamento não começa a sessão sem o
presidente ficar de pé e dizer: 'sob a proteção de Deus e em nome do
povo brasileiro'."
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
BBC Brasil - Como você avalia a aprovação do parecer de Jovair Arantes na comissão do impeachment?
Marco Feliciano -
Foi uma surpresa. Nós temos um grupo que trabalha de manhã, de noite,
de madrugada, em prol do impeachment. E acreditávamos que teríamos entre...
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BBC Brasil - Essa surpresa se deve a deputados que não tinham revelado sua posição?
Marco Feliciano -
Exato. Foram deputados que nem acreditávamos que estavam em dúvida,
acreditávamos que estavam do lado do governo. De repente, estava no
painelzinho o nome deles, votando a favor. Foi muito legal.
A
princípio tivemos um pouco de receio porque alguns partidos tinham
declarado que iriam liberar o pessoal dentro da comissão (para votar
como quisessem) e na hora desistiram, votaram contra o impeachment.
Subiu aquele friozinho na boca do estômago, né? Mas de repente ficou
melhor do que o esperado, exatamente por essa atitude do partido de ter
traído os próprios deputados. Isso criou uma revolta e os deputados
votaram pelo Brasil.
BBC Brasil - Depois desse resultado, acredita que o impeachment vai passar na Câmara?
Marco Feliciano -
O trabalho é árduo, porque o governo está jogando pesado. Tem muito
deputado que deixou de decidir, porque sabe que pode ter algum benefício
com o governo. Nosso sentimento é que o deputado que tiver juízo não
vai querer dar um tiro no pé, a exemplo do impeachment do Collor. Dos
deputados que votaram contra (o afastamento do presidente em 1992), só
temos dois no Congresso.
O
restante não se elegeu nem para síndico de prédio, com exceção de um, o
(senador Ronaldo) Caiado (DEM-GO), que está no Senado. Todos que votaram
contra o impeachment foram punidos pela população. Neste momento, o
Parlamento tem que ouvir o grito do povo.
BBC Brasil - O
presidente da comissão começou sua fala na segunda-feira citando uma
oração de São Francisco. Houve críticas de que isso não seria adequado
porque o Estado é laico. O que acha dessas ponderações?
Marco Feliciano -
É um mantra recitado pela esquerda, de que o Estado é laico. É de fato e
graças a Deus por o Estado ser laico. O Estado laico protege o seu
direito de fé e o meu. Posso fazer o que quiser em nome da minha fé e
ninguém pode tolher meu direito. O preâmbulo da nossa Constituição
Federal começa com Deus. O Parlamento não começa a sessão sem o
presidente ficar de pé e dizer: “sob a proteção de Deus e em nome do
povo brasileiro”. Se você olhar atrás do presidente da nossa Casa, vai
ver uma imagem de Cristo pendurada.
Os
constituintes de 1988 que disseram que o Estado era laico permitiram
que houvesse a fé cristã. Nosso país é laico, mas temos 90% de pessoas
cristãs, então esse mantra recitado pela esquerda entra na cabeça e às
vezes acaba quase convencendo, sabia? É a mesma coisa quando dizem que
todo mundo prega o ódio. Na verdade, não é ódio. É indignação. Quando
você fala um pouco mais áspero, eles chamam de fascista. Não é fascismo,
é indignação.
BBC Brasil - Indignação contra o governo?
Marco Feliciano -
Eles estão com metade do povo deles presa. A presidenta nunca soube de
nada, os ministros do Lula caíram todos por corrupção e ninguém viu
nada. Parece até magia negra, viu?
O
Estado é laico, mas não é laicista. Laicismo é ateísmo. Se vivêssemos
num Estado ateu, se você falasse o nome de Deus poderia ser apedrejada
na rua. O Estado é laico, graças a Deus. Só Deus para ajudar a gente.
BBC Brasil - O senhor vê um elemento divino nessa questão do impeachment?
Marco Feliciano -
Agora vai falar o pastor e não o deputado. Acredito que há um mundo
espiritual que de vez em quando entra em contato com o mundo natural. A
presidenta não disse um dia que se faz o diabo para se manter na
política? Pois bem. Se ela pode usar o diabo para se manter na política,
só tem uma força que contrapõe o diabo: é Deus. Então, a gente ora.
Temos um grupo de pastores, de deputados cristãos, tem a frente católica
que faz a missa. E a nossa oração é para que Deus ilumine nosso país.
Creio que Deus resolveu olhar para o nosso país.
Depois
que esse governo tocou nas nossas crianças com a ideologia de gênero
implantada nas escolas, depois que começou a pregar um Estado marxista
através das universidades... Para o comunista o Estado tem que ser Deus.
Só que esse pessoal esbarra numa força invisível. Quando o fiel tem um
problema, não vai bater na porta do governo, vai para uma igreja e sai
fazendo uma oração. E, quando faz uma oração, não me pergunte como, as
coisas melhoram.
BBC Brasil - Quando você diz que “Deus resolveu olhar para o país”, fala especificamente da marcha do processo de impeachment?
Marco Feliciano -
Três anos atrás a presidente Dilma tinha 75% de aprovação. O país era a
6ª maior economia do mundo. Quem olhava para o Brasil, o via como a
esperança do mundo.
Em 2013,
fui perseguido por movimentos sociais que são mantidos pelo PT, PCdoB e
PSOL. Então, tenho uma visão (sobre isso). Fiquei 90 dias em todos os
jornais por causa de uma comissãozinha (ele foi presidente da Comissão
de Direitos Humanos e Minorias) que não prestava para nada.
Um
homem que nunca fez mal a ninguém, sendo perseguido em avião! Enquanto
(os movimentos) estavam tocando no político, estava tudo bem. Mas quando
a mídia tendenciosa, os intelectuais e os políticos deram asa para
esses movimentos, que começaram a entrar nas igrejas, tirar roupa, dar
beijo na boca... Eles pararam de tocar no político e começaram a tocar
naquilo que há de mais puro: a fé do ser humano. Nesse momento,
cometeram um erro terrível.
BBC Brasil - Quais acha que foram as consequências?
Marco Feliciano -
Começou a descambar. A perseguição comigo começou em março e foi até
maio. Terminou quando eu disse que sairia da comissão se o José Genoíno e
o João Paulo Cunha fossem presos, se deixassem a Comissão de
Constituição e Justiça. Eles estavam condenados e foram presos. Depois
pararam de me perseguir. O William Boner falou no Jornal Nacional e o
Brasil virou do meu lado, porque falei uma verdade. No dia 5 de junho
houve a primeira manifestação em Brasília. Quem fez? Nós, evangélicos.
Foi o evento (por) toda a perseguição que eu sofria. Uma semana depois,
começaram as manifestações de rua.
A primeira grande manifestação
do Brasil não foi dos movimentos sociais, fomos nós, evangélicos, (que
fizemos). Duas semanas depois começou o Movimento Passe Livre e não
parou mais. De lá para cá, olha o que aconteceu com o governo.
A
fé foi tão forte que olha quem Deus usa: um elemento surpresa, um juiz
do Paraná. Que vai procurar um negócio de Lava Jato e de repente puxa um
fio. Já viu juiz se dobrar em cima de ações? Mas esse menino resolveu
ler e, no meio da leitura, saltou um nome, que era o da Petrobras.
Foram
forças que estão fora do controle do homem. O nosso governo aparelhou
tudo, é só você olhar os votos do Supremo Tribunal Federal. Mas não
conseguiu aparelhar um juizinho lá do Paraná. E hoje virou uma
personalidade tão forte que o brasileiro encontrou nele uma esperança de
honestidade.
BBC Brasil - Qual é o papel das igrejas no movimento pró-impeachment?
Marco Feliciano -
As igrejas começaram a se mover. Elas eram apolíticas, né? Até que
começaram a perceber que a política podia (se) movimentar atrapalhando a
fé delas. Por exemplo, o PL 122, a lei que criminalizava a homofobia.
Havia artigos que proibiam você de citar qualquer texto que fosse
contrário ao homossexualismo. Como ficaria a Bíblia? Um padre ou pastor
que falasse qualquer coisa poderia ser preso. As igrejas começaram a
acordar.
Todavia, não é
unanimidade. Temos dentro do movimento os evangélicos progressistas. É
parecido com aquele grupo da Igreja Católica que ajudou a fundar o PT, a
Teologia da Libertação. Eles são contra (o impeachment). Mas a grande
maioria do movimento neopentecostal aderiu ao movimento. Você vê, o PRB
(que vai votar a favor do impeachment) é da Igreja Universal. Era da
situação, tinha ministério. Deixaram tudo e vieram para cá.
BBC Brasil - Muitas
reportagens mostraram que boa parte dos deputados integrantes da
comissão de impeachment são réus em processos e receberam doações de
empresas da Lava Jato. O senhor recebeu doação da OAS e teve a prestação
de contas reprovada. Como responde a isso?
Marco Feliciano -
Nas minhas prestações de contas, vencemos tudo, graças a Deus. Tenho
uma pendência na Justiça que é por culpa do PT. Em 2013, o PT, junto com
o PSOL, me processou por racismo, homofobia, danos morais. Me acusaram
de ter pastores dentro do meu gabinete, como se fosse crime.
Meu
reduto é evangélico. Quem pode ser meu assessor senão aqueles que são
evangélicos? (Mas não tenho) nenhum processo por improbidade, desvio.
Sobre as empresas que estavam na Lava Jato: meu partido parece que
recebeu alguma coisa da OAS, né? Na minha conta, acho que mandaram R$ 6
mil. Isso entrou na prestação de contas de maneira legal.
BBC Brasil - Após o processo de impeachment, como consideraria ideal para o futuro do país? Um governo Temer, novas eleições?
Marco Feliciano -
O que almejo nesse momento, meu sonho primário, é ver o PT perder o
governo. Esse é o meu sonho. O que vier daí, qualquer coisa, é lucro.
Não é que eu queira o Temer, só que qualquer coisa é melhor do que o PT.
Alguém
perguntou para mim: o que você acha do Cunha? O Cunha, todo mundo chama
de malvado, né? Se ele é malvado, para mim é meu malvado favorito.
Porque foi ele colocou o impeachment para andar. Não importa o porquê, o
motivo, o que importa é que ele teve coragem, peitou esse governo. Na
política, você tem que ter um lado. Não pode ficar em cima do muro.
Tenho dois lados na política: o ruim e o menos ruim. Neste momento,
estou com o menos ruim.
BBC Brasil - Você vai se candidatar à prefeitura de São Paulo pelo PSC?
Marco Feliciano -
Está tudo certo ainda. Lançamos meu nome e eu sai até bem pontuado na
primeira pesquisa. Estou dependendo de um sinal verde do partido. Por
mim, já estou dentro. Vamos para briga.
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