Sérgio Paulo Rouanet. Esse era o nome do Secretário da Cultura do governo Collor quando a Lei Federal de Incentivo à Cultura
foi sancionada. A ideia era simples: criar políticas públicas para a
cultura nacional através de renúncia fiscal. Ou seja, promover e
estimular a produção cultural e artística brasileira, com valorização de
recursos humanos e conteúdos locais. Assim nasceu a Lei Rouanet.
Pela lei,
projetos aprovados pelo governo podem captar recursos de pessoas físicas
ou de empresas, que serão posteriormente abatidos fiscalmente (leia-se:
ao invés de um imposto para o governo, o empresário tem a possibilidade
de reverter o dinheiro, ainda que de forma impositiva, em propaganda
para um evento cultural). O problema é a concentração que a lei cria
dessa forma, deturpando completamente o seu propósito de universalizar a
cultura, criando um verdadeiro latifúndio cultural – visto que o
resultado inevitável dela acaba sendo promover grandes artistas, que
geram visibilidade à marca, em detrimento de artistas desconhecidos.
Assim,
apenas 3% dos projetos aprovados pela Lei Rouanet em 2014 – ou seja,
ligados aos artistas mais ricos e conhecidos do país – receberam a metade do
total de recursos captados. São R$ 650 milhões de “investimento” em
cultura. Tamanha concentração mais do que cria uma classe de artistas
muito bem subsidiadas pelo governo, como escancara que o objetivo de
ampliar a cultura em si está longe de ser cumprido pela lei.
E pra
piorar, a lei constantemente permite que projetos internacionais, com
grande visibilidade, obtenham captações milionárias. Duvida? Temos 10
exemplos disso abaixo.
Os valores
contidos nesta matéria estão todos registrados no SALIC, o sistema do
Ministério da Cultura responsável por gerir as informações relativas à
Lei Rouanet. Acesse o sistema aqui, coloque o número do projeto indicado e veja maiores informações.
1. Exposição Cai Guo Qiang
Número do projeto: 1111951
O artista
chinês radicado em Nova York, Cai Guo Qiang, é uma das revelações das
artes plásticas da atualidade. Realizada pela mesma produtora que buscou
trazer as obras de Ai Wei Wei, sua exposição chegou a ocorrer, e contou
também com apoio da Lei Rouanet.
A exposição contou com obras realizadas por camponeses chineses sob a supervisão do artista plástico.
Para o
projeto, a produtora solicitou R$ 3,051 milhões. Teve, porém, aprovados
R$ 3,022 milhões e, ao final, conseguiu captar R$ R$ 2,83 milhões deste
valor.
2. Cirque Du Soleil
Número do projeto: 046458
O
tradicional circo canadense Cirque Du Soleil, fundado em 1982, é um
verdadeiro exemplo de como a arte tornou-se um negócio dos mais
lucrativos. Com um faturamento de R$ 2,2 bilhões, os espetáculos
preparados pela trupe de Montreal podem ser vistos em quase todo o
planeta. Apesar das apresentações físicas sediadas em Las Vegas, o circo
é verdadeiramente itinerante, e já rodou diversas cidades brasileiras. E
com apoio do Ministério da Cultura.
À época da
proposição, o projeto gerou polêmica. A etapa de São Paulo, na qual a
empresa responsável esperava captar até R$ 22 milhões, teve autorização
para captar R$ 9,4 milhões.
Na época da realização (em 2005), os ingressos chegaram a custar mais que um salário mínimo.
3. Blue Man Group
Número do projeto: 130496 / 130162
A
companhia norte-americana Blue Man Group, formada por 3 artistas
completamente pintados de azul, apresentou-se em dezenas de países nos
seus 29 anos de existência. No Brasil, chegou a participar de comerciais
para operadoras de telefonia, além de realizar apresentações em
teatros.
A
temporada do grupo em São Paulo, com 7 meses e 104 apresentações
previstas, teve valor aprovado no MinC de R$ 6,433 milhões. Apesar da
disposição do ministério em apoiar os artistas americanos, porém, o
projeto foi arquivado pelo proponente.
Em outra
ocasião, os 3 artistas receberam apoio de R$ 3,75 milhões da lei, mas
acabaram novamente não se utilizando dos recursos.
4. Circo Imperial da China
Número do projeto: 010691 / 042770
Um dos
mais tradicionais do planeta, o Circo Imperial da China esteve no Brasil
para uma turnê, em 2007. A organizadora do evento, a companhia de
capital aberto Time For Fun, possuía por objetivo realizar quatro
apresentações nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Porto
Alegre.
Dos R$ 2,012 milhões solicitados, a companhia teve autorização para captar R$ 1,4 milhão, e terminou captando R$ 1,25 milhão.
Em outra ocasião, a companhia teve autorização para captar R$ 2,18 milhões, mas acabou não captando.
5. Exposição Ai Weiwei
Número do projeto: 158637
O artista
chinês Ai Weiwei, conhecido por obras como o Estádio Ninho do Pássaro,
sede das Olimpíadas de 2008, tornou-se consagrado mundialmente tanto por
suas obras quanto por sua resistência política ao Partido Comunista
Chinês.
Ao rodar o
mundo, a exposição internacional de suas obras despertou interesse de
produtoras brasileiras. Para trazer as obras, porém, a produtora
Magnetoscópio, esperava contar com apoio da Lei Rouanet. Pedindo R$
4,247 milhões de renúncia, a companhia teve aprovação para captar R$
4,081 milhões. Nenhum valor porém chegou a ser captado.
6. Disney on Ice
Número dos projetos citados: 1310419 – 1411181 – 158047
Maior
companhia de entretenimento do mundo, a americana Walt Disney é hoje uma
gigante, com atuação que se estende dos seus famosos parques de
diversão, para a redes de televisão, estúdios de cinema, produções
teatrais, hotéis, linhas de cruzeiro e até mesmo uma lha particular no
Caribe. Sozinha, a companhia é responsável por gerar um faturamento
superior ao de toda produção cultural brasileira somada (no Brasil,
cultura representa expressivos 2,5% do PIB, ou R$ 126 bilhões, segundo a
última pesquisa feita pelo setor).
Para realizar o já tradicional “Disney on ice”,
com mais de 20 anos de existência no Brasil, a companhia e sua parceira
local, a Feld Entreteniment, utilizam-se há algum tempo do mecanismo de
renúncia fiscal da Lei Rouanet.
Apenas nas
edições de 2014 a 2016, o evento contou com apoio de R$ 1.077.093,08,
R$ 4.054.485,97 e R$ 4.050.000,00, respectivamente.
Não apenas a edição brasileira do Disney on Ice recebe apoio da lei, porém. O Disney Live, outra produção teatral, recebeu R$ 2,36 milhões em 2011 (número do projeto: 1011273).
7. Picasso e a Modernidade Espanhola
Número do projeto: 1410696
A
exposição “Picasso e a Modernidade Espanhola”, que contou com obras do
museu Reina Sofía, trouxe ao Brasil diversas obras do artista espanhol
Pablo Picasso, além de outros 40 artistas espanhóis, para uma exposição
no Centro Cultural Banco do Brasil nas cidades do Rio de Janeiro e São
Paulo. A seleção das obras ficou a cargo do museu Reina Sofía, sediado
em Madrid, na Espanha.
O projeto teve autorização para captar R$ 10.092.580,00, e acabou captando um total de R$ 8,923 milhões.
8. Ballet Bolshoi
Número do projeto: 148044
O
tradicional ballet russo Bolshoi, um dos mais antigos e conhecidos do
mundo, apresentou-se no Brasil por diversas ocasiões, chegando até mesmo
a instalar uma filial em Santa Catarina.
Sua turnê
nacional, realizada em junho de 2015, teve autorização para captar R$
5,06 milhões, com o objetivo de manter 12 apresentações em duas cidades
brasileiras. Do valor aprovado, cerca de R$ 3,267 milhões foram
efetivamente captados.
9. Coleção Guggenheim
Número do projeto: 148589
Com o
objetivo de trazer ao Brasil obras presentes na coleção do museu
Guggenheim, de Nova York, a produtora Dellarte enviou ao MinC um pedido
para captar R$ 13,29 milhões. O ministério acabou autorizando a captação
de R$ 12,78 milhões. Ao final, no entanto, a companhia desistiu do
projeto.
Uma das
mais importantes coleções de arte moderna do mundo, a Coleção Guggenheim
reúne obras de diversos artistas americanos, e tinha como objetivo ser
exposta durante 3 meses no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de
Janeiro.
10. Fuerza Bruta
Número do projeto: 146004
A
companhia de teatro “Fuerza Bruta”, criada na Argentina, se apresentou
no Brasil durante três meses , em 2015. As 90 apresentações, realizadas
na cidade de São Paulo, no Cine Grand Metrópole, contaram com apoio do
MinC e o valores captados via Lei Rouanet.
Dos R$ 4,39 milhões solicitados, cerca de R$ 4,01 milhões foram efetivamente captados.
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