“Postagens maldosas, além de não retratarem a realidade, são de um
imenso desrespeito não só à história de Marielle, mas aos nossos
policiais honestos e trabalhadores sofridos, sobretudo a policiais
negras”, diz o coronel Robson – Foto: Reprodução/YouTube
Coronel Robson Rodrigues postou no
Facebook um texto para lembrar Marielle:
“Ela defendia muito mais nossos
policiais do que nós fomos capazes de compreendê-lo e de fazê-lo”
Robson Rodrigues, um dos mais respeitados coronéis da
Polícia Militar do Rio de Janeiro, escreveu um texto, em sua página no
Facebook, no qual homenageia a socióloga a vereadora do PSOL-RJ,
Marielle Franco. Acompanhe a íntegra da mensagem:
Cada morte violenta me arranca um pedaço da alma, pois os
mais de 60 mil homicídios ao ano nos distanciam, e muito, do lugar
civilizatório que, julgo, mereceríamos ocupar como país tão lindo como o
nosso. Calo, sofro, choro em silêncio. Não me apraz falar, não me apraz
comparecer a rituais de despedida fúnebre e sentir o sofrimento das
pessoas, principalmente dos familiares, em respeito a suas dores. O
cargo me obrigou a assistir inúmeros enterros, de inúmeras vítimas
policiais de uma guerra fratricida que nos prostra enquanto seres
humanos. Uma guerra inglória.
Abri uma exceção por um dever de consciência; para falar de
uma amiga, a vereadora Marielle, porque, se sua morte me impactou, muito
mais tem impactado a forma vil e cega e infame como ela vem sendo
tratada por algumas pessoas nas redes sociais. Pessoas que não
conheceram Marielle. Senti-me na obrigação de informar a amigos
desinformados sobre quem ela era; amigos que considero e que são
bombardeados por bobagens e falsas informações sobre a vereadora que não
conheceram. Segue abaixo uma dessas mensagens que enviei a um amigo a
quem considero bastante e que talvez possa servir a outros amigos.
Caro amigo xxxx (oficial PM)
Te conheço há bastante tempo para saber o quanto você é inteligente para não se deixar levar por esses discursos que destilam o ódio, mesmo nesses momentos de dor. Deveríamos, sim, nos unir enquanto sociedade contra o maior problema civilizatório que nos afeta e dilacera: a violência homicida. Apesar disso, há pessoas que insistem em simplificar questão tão complexa, dividindo o mundo em direita e esquerda. Você está além disso que eu sei.
Choro pelas mortes infames, do cidadão comum, dos meus amigos, dos meus amigos policiais dos quais já perdi a conta inúmeras vezes. Meu primeiro serviço como aspirante foi atender à ocorrência do assassinato de um policial militar, adorado em meu Batalhão. Chorar com sua família me fez pensar o quão difícil seria aquela trajetória profissional que eu havia abraçado.
Te conheço há bastante tempo para saber o quanto você é inteligente para não se deixar levar por esses discursos que destilam o ódio, mesmo nesses momentos de dor. Deveríamos, sim, nos unir enquanto sociedade contra o maior problema civilizatório que nos afeta e dilacera: a violência homicida. Apesar disso, há pessoas que insistem em simplificar questão tão complexa, dividindo o mundo em direita e esquerda. Você está além disso que eu sei.
Choro pelas mortes infames, do cidadão comum, dos meus amigos, dos meus amigos policiais dos quais já perdi a conta inúmeras vezes. Meu primeiro serviço como aspirante foi atender à ocorrência do assassinato de um policial militar, adorado em meu Batalhão. Chorar com sua família me fez pensar o quão difícil seria aquela trajetória profissional que eu havia abraçado.
Meu sentimento é expressado nos versos do poeta John Donne:
“a morte de qualquer homem (ou mulher) me diminui, porque sou parte do
gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles
dobram por ti”.
Choro agora por uma amiga admirável, sobretudo porque lutava
contra essa estupidez e sonhava com uma sociedade melhor. A vereadora
Marielle era corajosa; lutava a favor das minorias, mas principalmente
contra a estupidez das mortes desnecessárias que têm endereço e
destinatários certos. Mortes muitas vezes festejadas por pessoas que
querem que nós, policiais, façamos para elas o serviço sujo de um
extermínio fascista. Não se esqueça que também acabamos vítimas dessa
estupidez.
Conheci Marielle quando ela me trouxe, de forma educada, mas
contundente, o caso de algumas mães amedrontadas com a ação de
policiais que barbarizavam moradores de uma certa favela com UPP. Os
fatos eram indefensáveis. Aqueles comportamentos não eram o que se podia
esperar de uma instituição que existe para combater o crime, mas,
sobretudo, para servir à população. Tomei minhas providências. Se
Marielle veio até a mim buscando solução, era porque confiava na
polícia, pelo menos em parte dela, uma parte da qual eu te incluo.
Marielle, assim como nós, não confiava na polícia violadora de direitos,
na polícia bandida, mas confiava na instituição policial, naqueles que
não querem que ela seja instrumentalizada para fins vis e elitistas,
sendo direcionada para os mesmos estratos de onde a maior parte de
nossos próprios policiais vem.
Depois disso ela me procuraria para saber como ajudar
policiais que sofriam abusos, assédios moral e sexual e outros tipos de
violações de direitos.
Eu te pergunto: alguém que “só quer defender
bandido” teria esse comportamento?
Na ocasião, me lembro de ter comentado com ela do sofrimento dos policiais subalternos, da mulher policial, da mulher negra policial etc. Um fato em especial me tocava naquele momento: o de viúvas de PM. Eu disse a ela que uma das formas de ajudar poderia ser agilizando os processos de obtenção de suas pensões. Há trâmites administrativos que emperram a pensão da viúva e que extrapolam as possibilidades da corporação; há também a lentidão da investigação da morte dos policiais militares por parte da PCERJ, que é formalidade do processo. Ela se interessou e, depois, junto com o deputado Marcelo Freixo, criou um núcleo de atendimento a policiais.
Na ocasião, me lembro de ter comentado com ela do sofrimento dos policiais subalternos, da mulher policial, da mulher negra policial etc. Um fato em especial me tocava naquele momento: o de viúvas de PM. Eu disse a ela que uma das formas de ajudar poderia ser agilizando os processos de obtenção de suas pensões. Há trâmites administrativos que emperram a pensão da viúva e que extrapolam as possibilidades da corporação; há também a lentidão da investigação da morte dos policiais militares por parte da PCERJ, que é formalidade do processo. Ela se interessou e, depois, junto com o deputado Marcelo Freixo, criou um núcleo de atendimento a policiais.
Mesmo depois de ter deixado a PM, encaminhei alguns casos a
eles. Nossos praças e oficiais mais subalternos, principalmente as
policiais negras, são discriminadas diariamente em nossa instituição,
sofrem assédios, sobretudo por parte de pessoas como nós, oficiais e
brancos. Recentemente a PM impôs limite de vagas para mulheres no
concurso do CFO, mas contra isso ninguém de dentro se colocou. Marielle
se interessava por essas causas, que, infelizmente, ainda não tocam
nossa sensibilidade institucional.
Com suas bandeiras ela defendia muito
mais nossos policiais do que nós fomos capazes de compreendê-lo e de
fazê-lo.
Portanto, postagens maldosas como essas, que vêm circulando
nas redes sociais, além de não retratarem a realidade, são de um imenso
desrespeito não só à história de Marielle, mas aos nossos policiais
honestos e trabalhadores sofridos, sobretudo às policiais negras, que
tanto necessitam ser acolhidos nas causas que ela magnificamente
defendia. Que tenhamos Marielle presente para transformar nossa polícia
em uma instituição melhor para a sociedade e para policiais
vocacionados.
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